DESPORTO

As claques desportivas em Portugal – uma reflexão

supporters and fans during football match

O País foi recentemente surpreendido (ou talvez não…) por uma operação policial de grande envergadura, realizada no Porto e que se traduziu pela prisão de vários membros da claque Super Dragões, três dos quais ficaram em prisão preventiva, a aguardar julgamento.
Este facto vai levar-nos à reflexão sobre a origem, a função inicial e a perversão dessa função e a ação do Estado na prevenção e controlo do fenómeno da violência, por parte das claques, que têm a designação oficial de GOA – Grupos Organizados de Adeptos. De facto, o fenómeno da violência no Desporto é, na quase totalidade, da responsabilidade destas organizações, sendo importante conhecê-las melhor.
A origem das claques
Em Portugal, a primeira claque surgiu no Sporting, em 1976 – a Juventude Leonina – com forte impulso dos filhos do então presidente leonino João Rocha. Em 1982 surge a primeira claque do Benfica, os Diabos Vermelhos e, também na década de 80, surgem os Dragões Azuis, no Futebol Clube do Porto.
A partir daqui, há um ponto em comum nestas claques dos três grandes, que são as cisões internas, dando origem a novas claques do mesmo clube: no Sporting, surgem a Torcida Verde, a Força Verde e o Diretivo Ultra XXI; no FC do Porto, surgem os Superdragões, em 1986, de um grupo dissidente dos Dragões Azuis e, no Benfica, surgem os No Name Boys (em 1982) e o Coletivo Ultras 95.
A sua função inicial e as ajudas dos clubes
A sua função inicial era a de contribuir para melhorar o espetáculo desportivo, dando-lhe animação, luz e cor, tornando-o mais agradável e emotivo, ou seja, ser um espetáculo dentro de outro espetáculo. Como será evidente, o apoio às equipas do clube era, também, uma função essencial e, nesta fase, a carolice “da rapaziada” era a parte visível, uma vez que foram jovens adeptos os fundadores.
Todas as direções, sem exceção, ajudaram as claques, fazendo-o de duas formas: a cedência ou venda mais barata de bilhetes e ajudas ao nível logístico, como a cedência de espaços para sedes, apoios para o aluguer de autocarros e outros apoios, como nos materiais para fazer a festa no Estádio.
O início da perversão
Na década de 90, começa a assistir-se em Portugal ao “descambar” das claques (à semelhança do “holiganismo” inglês, anterior ao português), com o início da violência organizada, em que o caso extremo foi a morte de Rui Mendes, adepto do Sporting, com um very light, numa final Sporting-Benfica, realizada no Estádio Nacional.
Mas muitas outras cenas existiram: nas viagens (nas áreas de serviço das autoestradas, nas estações de comboios, nas zonas comerciais das cidades visitadas), entre adeptos adversários e, até, entre claques do mesmo clube, uma vez que se consideravam rivais internos. Assiste-se, igualmente, à aquisição e utilização de armas (navalhas, facas, tacos de basebol e bolas de golfe, artefactos de pirotecnia) e à infiltração das claques por forças extremistas, quase sempre de extrema-direita, que exibiam camisolas, bandeiras e outros símbolos que os identificavam como tal. Da carolice inicial e bem-intencionada “da rapaziada”, evoluiu-se rapidamente para o negócio e para modelos profissionais, onde o dinheiro dado pelo clube – direta, ou indiretamente – nunca faltava.
A legalização das claques e o controlo do Estado
É nesse momento e nesse sentido que o Estado passa a intervir, através da Lei nº. 39/2009, posteriormente revogada 5 vezes até à Lei nº. 40/2023 (em vigor), que estabelece responsabilidades aos organizadores de espetáculos desportivos e meios de controlo das claques, através da figura de “oficial de ligação”, que estabelece a comunicação clube-claque.
Também as claques passam a ser objeto de legalização, devendo constituir-se como associações de direito privado e, sendo GOA (Grupos Organizados de Adeptos), terão obrigatoriamente de ser reconhecidas pelos clubes respetivos e legalizadas junto do IPDJ, ficando sujeitas ao controlo do Clube e do Estado.
Para além da justiça administrativa do Estado, exercida pelo Instituto do Desporto, o Ministério Público e as Polícias têm vindo a realizar ações policiais e de investigação sobre a ação de GOAs, registando-se duas, para além desta que se encontra em curso: uma em 2008, sobre os NO NAME BOYS, de que resultaram 37 detenções, com 13 condenações a prisão efetiva e 16 com condenações a prisão, com pena suspensa. A outra, foi a invasão da Academia de Alcochete do Sporting, em 2018, de que resultaram agressões a jogadores e, em 2020 no julgamento, 5 condenações a penas efetivas de 5 anos de prisão e 36 condenações a penas de prisão, suspensas na sua execução.
Mas os casos são inúmeros, embora de menor gravidade, sendo transversais a todos os clubes e estando quase todas as claques legalizadas e reconhecidas pelos respetivos clubes (à exceção do Benfica, que não as reconhece).
As ligações pretorianas (?!)
Mas ainda muito mais grave é a utilização dos GOA (Grupos Organizados de Adeptos) como tropas de choque, ou milícias privadas, ao serviço de estratégias dos presidentes dos clubes que os financiam, à semelhança das guardas pretorianas dos antigos imperadores romanos.
Sendo muitos os indícios, é muito difícil a produção de prova em Tribunal – Bruno de Carvalho, ex. Presidente do Sporting, foi absolvido num processo em que era acusado de ser o instigador e o autor moral da invasão da Academia. É o normal, apanha-se apenas a arraia miúda e nos grandes não se toca. No Futebol, como no resto…
Paulo Branco

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