EDITORIAL

Quando o sol se põe

EDITORIAL

Há ali uns escassos segundos, durante o pôr-do-sol, em que, se nos distrairmos a olhar para o lado, quando voltamos a encarar o mar de frente já não vimos o sol. Ainda há pouco ali estava e, de repente, já não está. Foi assim que aconteceu, há poucos dias – muito poucos –, comigo e com a minha amiga Sara. Parece que num momento estava ao pé de mim e que me distraí e, segundos depois, ela já não estava lá. Infelizmente, nunca mais estará.
Perdoem-me por tornar este espaço demasiado pessoal, mas a curta distância temporal que passou desde aquele dia, que mudará a minha vida para sempre, não me permite ter o discernimento de pensar em muito mais. É impossível, na realidade, pensar em muito mais. O coração e o corpo dela traíram-na e traíram-me a mim e a todos os que a amavam. A Sara tinha 38 anos acabados de fazer, era professora de Português e de Inglês e, durante este ano letivo, esteve a dar aulas no Agrupamento de Escolas de Vagos. A Sara Santos. E eu gostava que toda a gente tivesse tido o privilégio de conhecê-la. Talvez por isso esteja aqui a falar sobre ela.
A Sara era um hino à vida. E eu sei que parece um cliché gigante dizer o melhor das pessoas que partem, mas não há outra forma de falar da Sara sem utilizar todas as palavras bonitas que estão escritas nos dicionários que ela tão bem dominava. Luz, liberdade, beleza e paz. Enumero apenas estas, quando há tantas, tantas outras – todas lindas, garanto-vos – que caracterizam um dos seres humanos mais únicos que passou – e que passará, certamente – pela minha vida. E todas essas palavras confluirão a partir de agora, para sempre, numa só: saudade.
A Sara foi uma das minhas melhores amigas durante os últimos 15 anos. Foi aventura, foi alento, foi energia, foi dedicação sem porquês, foi porta aberta. Foi casa. E não tenho uma sombra de dúvidas de que marcou, de alguma maneira, todos aqueles com quem se cruzou. Particularmente os alunos, com quem partilhava a sua sabedoria (imensa). Tinha um dom de chegar às crianças, aos adolescentes e aos jovens sem eles perceberem sequer que ela se ia aproximar. Tratava-os como seus iguais. Nunca forçava a barra. E, do nada, já tinha entrado.
Entrou na vida e no coração de muitos, novos e velhos, e agora saiu deste mundo – ou, pelo menos, deste que conhecemos – sem o mínimo aviso prévio. Mas tenho a certeza que, apesar da partida, permanecerá. Olhei para o lado, voltei a olhar em frente e ela já não estava. Mas verá comigo cada pôr-do-sol.
Salomé Filipe
Diretora do Jornal

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