ECO DA SANTA CASA

Ações desumanas dos humanos!?!

Preocupações insipidas ou realidades deveras preocupantes?

Mais um ano se abeira das férias. Se os balanços se fazem, habitualmente, no virar de dezembro a janeiro, penso que estes meses de bom tempo, ainda que ventosos, também nos podem motivar a uma introspeção sobre como vão os nossos “caminhos”. As notícias continuam amargas e fastidiosas de tantas guerras e conflitos. Apeteceu-me por isso pairar no beiral dos meus pensamentos e refletir sobre as atitudes, a ética e a deontologia, nas imagens que nos vão chegando de personalidades públicas… e menos públicas. Trago temas de discussão e análise recorrentes, pelos casos que todos somos levados a comentar e embalar mais ou menos todos nos mesmos embrulhos. As generalizações facilitistas dão nisto! E que grande “embrulhada” para aí vai!
E o jornalismo com as suas ânsias de números e percentagens de “shares” e de “likes”, mistura tudo e devolve ao público que, por sua vez, se acha conhecedor de tudo e de nada e faz os seus sábios discursos, como se de especialista se tratasse. Então, nas redes socias, os comentários deploráveis pelo conteúdo, pela forma e por uma ortografia, muitas veres hilária, são a maior prova de como vi amente humana. Como a ética já não norteia os princípios morais do ato público nemos pudores humanos, todos estes comportamentos são frequentemente atropelo e fonte de juízos falsos e falsadores…
Falar de política, “fake news” e de julgamentos intencionais é ainda pior! Aí, os comentários ainda se tornam mais indecorosos, muitas vezes mesmo (desculpem o termo) saloios! Na esfera política, esperar-se-ia que os líderes se guiassem por padrões de conduta moral elevados. No entanto, ao longo das épocas históricas, tem havido muitos exemplos de “seres” (não os consigo encaixar no meu conceito de personalidade pública), cujas atitudes não estiveram alinhadas com princípios de elevação. Não é fenómeno da atualidade. Está, antes demais, intrinsecamente relacionado com ação humana. Não se escandalizem – mas só distingo os animais ditos racionais dos restantes, pela sua negativa falta de respeito pelo seu próximo e entendo uma das maiores aberrações humanas, a escravatura e a época medieval. Isto se não pensar nos seres e civilizações completas exploradas (algumas, exterminadas) nas épocas imperiais. E, o que incomoda mais, é estarmos a viver atualmente mais um desses períodos de lutas de impérios. O domínio do humano pelo humano deixa-me sempre consternada, pelo que representa da falta de respeito pelo outro. As imagens das notícias da atualidade levam-me muitas vezes a sentir que estamos de volta ao medievo: as migrações forçadas por guerras ou perseguições, enquadram cenários de condições humanas inenarráveis…
Por outro lado, alegres vamos na corrida para o maior desastre do planeta: continuamos a fazer “viagens” individuais ao espaço ou às profundezas dos oceanos, sem perceber que não reside na satisfação pessoal, o orgulho da nossa espécie e que ainda se diz inteligente! São atitudes que concorrem para a mais rápida degradação da vida no nosso planeta, sem acrescentar nada à evolução da espécie. Algumas experiências terminam de forma trágica?! O meu comentário é, (desculpem a crueza) morreram como viveram, sem ter em conta os limites de nada e de coisa nenhuma, tal é a ganância, a ambição desmedida.
Quando estudo as invenções do século XX com os meus alunos, peço-lhes sempre que procurem e sugiram alternativas, ideias para debelar os respetivos malefícios. E que lista de inventos tóxicos há para visitar em apenas meio século! É imperioso refletir sobre o excesso de objetos que proporcionam grande conforto e facilidade na nossa vida atual, mas que representam grande dano aos recursos do nosso planeta. É o dever de cada um: pensar criticamente atitudes do presente, face a ameaças presentes e futuras. É urgente ajudá-los a fazerem uso proativo as suas mentes críticas: é a sustentabilidade do seu futuro que está em causa… Não é fácil esta mensagem: há casos de “sucesso” pessoal e profissional (novas profissões espelhadas nas redes sociais e demais canais de comunicação) que iludem jovens e menos jovens que, levados por “famosos” e “influencers”, desvalorizam o investimento na sua formação pessoal, ignorando alertas e conselhos dos mais velhos. A cultura do ganho fácil, do “YES!!!” impera, não havendo lugar a reflexões mais profundas sobre razões do devir: um liberalismo selvagem que põe em questão a sustentabilidade do futuro em todos os quadrantes.
Espero que, por esta altura, estejam todos a pensar em histórias de pessoas de bem, estas verdadeiras Personalidades! Ao longo dos tempos, num compromisso inquebrantável com a ética, a deontologia, o respeito, a integridade, desenvolveram ações em prol do interesse comum. Esses líderes, tantas vezes anónimos, promoveram a igualdade, a justiça, os direitos humanos e o bem-estar de todos que consigo se cruzaram e do planeta, enquanto casa comum, não só da “humanidade”, mas de todas as espécies; só assim pode ser, já que somos verdadeiramente um todo.
A perceção de ética pode ser subjetiva, pois diferentes perspetivas ideológicas e culturais influenciam naturalmente a forma como as pessoas avaliam as ações humanas, no momento histórico ou cultural em que se definem e foram vivenciadas. É importante enquadrar as atitudes nos contextos históricos, culturais e sociais respetivos. E, atualmente, com tantos séculos de saberes e competências adquiridas, é justo concluirmos que nem tudo é possível ou viável, só por haver capacidade financeira ou intelectual: ninguém se pode colocar acima de outrem – tão simples, mas tão difícil de verificar na prática diária, nos gestos mais banias e insuspeitos. Também não é por termos adquirido o direito à LIBERDADE que todas as ações são “justificáveis” em nome dessa mesma liberdade: toda a ação tem por baliza imediata, a liberdade do próximo; ainda não é um lugar comum, mas é tão premente… e ninguém precisa de um “polícia pessoal” para saber se está a agir corretamente ou incorretamente. Os cómicos de todos os tempos parodiaram à exaustão as atitudes de quem pensa que não está a ser escrutinado por outrem, (se não se lembram de nenhum exemplo, deixo a sugestão de revisitarem “Mister Bean” que Rowan Atkinson tão bem protagonizou). Os seus sketches ridicularizam gestos de quem se pensa mais inteligente por enganar o outro; é tão-somente o maior erro dos humanos e a mais básica falta de ética.
Por outro lado, temo-nos tornado cada vez mais crítico em relação à ética e à deontologia das personalidades políticas: a transparência, a prestação de contas e a responsabilidade têm sido valorizadas como princípios fundamentais para uma governança efetiva e eficaz. Os eleitores e a opinião pública têm um papel importante, na validação ou não da conduta dos seus representantes políticos, devendo rejeitar aqueles que não atendem a esses padrões de cidadania. Mas a minha questão é: também fazemos esse escrutínio às nossas próprias atitudes e aos nossos domínios de ação.?
Ao longo dos tempos, tem havido exemplos de personalidades públicas que mancharam a sua ação com comportamentos éticos e deontológicos deploráveis, bem como casos de políticos que falharam no cumprimento de princípios basilares. Nem a evolução do domínio das diferentes literacias funcionais nos influenciam na capacidade de pensar e agir de forma mais responsável? Todos sabemos enumerar casos de corrupção, mas não o aplicamos nas nossas decisões quotidianas; um exemplo básico: quando compramos algo sem fatura, para “fugir” ao IVA, estamos a incorrer num crime de corrupção. Criticamos os políticos, sem aplicar essa crítica ao nosso próprio comportamento? É destes pequenos gestos considerados menores que se faz a história de um povo apelidado de heroico, cumpridor, ordeiro e respeitador. Ora, os políticos nascem deste âmago! Enfim, podia enumerar milhentas situações que carecem de ser repensadas, enquanto ações individuais e nada inocentes.
Prefiro centrar-me numa nota final de esperança no exato oposto dos fenómenos a que fiz alusão, neste balanço de ações desumanas. Quero ter esperança, assim expresso a minha enorme admiração por todos os exemplos de constante construção positiva e entrega: a ação diária de todos os que compõem a nossa grande equipa – os colaboradores da Santa Casa que, diariamente, abnegadamente, lutam com esforço e valor, sempre com sentido de entrega, para dar ao outro (em todas as fases na sua vida…) o melhor! Munidos de todas as forças impensáveis, em modo de “milagre das rosas”, fazem do pouco que temos, o muito aos que do nosso apoio mais necessitam. Estamos perante um trabalho que em tudo se define por MISSÃO de VOLUNTARIADO! É por exemplos destes que continuo a acreditar numa visão de futuro humanista, com o bem-estar de todos em foco e não apenas as serventias dos que só se preocupam em aumentar o seu espólio pessoal, em detrimento dos que pouco ou nada detêm…
A todos os colaboradores da Santa Casa, o nosso bem-haja!
E, já agora, boas férias, a todos, quando for tempo disso!

Maria do Céu Matos
Mesária

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