EDITORIAL

Voltamos todos ao mesmo barco?

Durante os dois anos de pandemia – que, na verdade, ainda não acabou, apesar de nós já falarmos dela no passado –, usou-se várias vezes a expressão “estamos todos no mesmo barco”. Significava a dita cuja que a covid-19 não escolhia estratos sociais, crenças ou sexos: podia atingir qualquer um com a mesma intensidade e fazer estragos em todos, sem olhar a quem. Depois, acabámos por perceber – e também foram muitos os que brincaram com as palavras – que afinal não estávamos todos no mesmo barco, porque uns pareciam estar num iate de luxo e outros numa bateira.

A pandemia, no final das contas, acentuou drasticamente as diferenças sociais existentes. É que enfrentá-la no conforto de uma moradia, em frente a um computador topo de gama, com a possibilidade de sair à rua munido de diferentes frascos de álcool gel e com máscaras de proteção FFP2 (as mais seguras, dizia-se) parece-me bastante diferente de a enfrentar numas modestas quatro paredes cheias de humidade no teto, sem equipamentos eletrónicos modernos para os filhos acompanharem as aulas e a utilizar um pedaço de pano velho a simular uma máscara. Mas adiante.

Agora, deparamo-nos com outra nova realidade. Estamos em crise, mais do que instalada, potenciada pela guerra na Ucrânia (mesmo quando não temos bem a certeza se é a guerra a culpada de tudo). Os preços dos bens alimentares aumentaram, assim como os do gás, do gasóleo e da eletricidade. E fui buscar a metáfora náutica utilizada na pandemia, para agora a usar também no atual contexto: estaremos todos, de novo, no mesmo barco?

As famílias portuguesas estão, outra vez, com o nó da gravata cada vez a ficar mais apertado. Há câmaras municipais que se queixam de não estar a conseguir suportar os custos, tendo algumas já fechado equipamentos públicos, para poupar nas faturas da luz e do gás. E as instituições de solidariedade estão a tentar fazer o mesmo que faziam com mais custos e, logo, menos dinheiro (que já anteriormente não abundava). Vejam-se as queixas do presidente da União das Misericórdias Portuguesas, nesta edição do Eco de Vagos.

Nisto, entra o Governo, que vem (e bem) ajudar os portugueses, com um apoio extraordinário pago às famílias e um suplemento de meia pensão aos pensionistas. Só que me parece que, se calhar, se enganou com a história dos barcos e não percebeu a diferença dos iates de luxo para as bateiras.

Com as regras criadas, um pensionista que tenha 300 euros de reforma, recebeu mais meia pensão, em outubro. Logo, 450 euros. E a um que receba 4900 foram-lhe transferidos 7350 euros. Logo aí, entramos em campos diferentes da construção naval.

Depois, enquanto o limite para receber o suplemento era ter uma pensão de até 5200 euros, apenas foram apoiados os trabalhadores no ativo que auferissem um ordenado máximo de 2700 euros mensais. Trabalhadores (ou beneficiários de apoios sociais) com crianças em idade escolar, com casas e rendas para pagar, e com a corda ao pescoço receberam, todos eles, 125 euros. Pois: 125 euros. Portanto, isto é só um exemplo de como, mais uma vez, não estamos todos no mesmo barco. Resta-nos arranjar forma de continuar a navegar.

Salomé Filipe

Diretora do Jornal

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