Editorial
Foi com genuína satisfação que vi as marchas populares regressarem ao concelho de Vagos, seis anos depois da última edição. A última vez que tinham saído à rua havia sido em 2019. E depois, como todos sabemos, 2020 brindou-nos com uma pandemia que virou a vida de todos – país e mundo – de pernas para o ar. As marchas, tal como inúmeras atividades por todo o lado, tiveram que ser canceladas. Não só nesse ano, em particular, como nos dois seguintes, em que a normalidade dos ajuntamentos de pessoas teve de ser reposta aos poucos, com muitas cautelas – que alguns opinam terem sido demasiadas, mas que não vale a pena, a esta distância, questionar. Já passou.
Mas se em 2021 e em 2022 a pandemia foi a causa efetiva – e praticamente obrigatória, para bem de todos – do cancelamento de uma série de eventos, em 2023 e 2024 a covid já não justificava o não regresso de muitas atividades. O certo é que houve delas que nunca mais regressaram. Outras estão, ainda agora, em 2025, a regressar, como é o caso das marchas populares em Vagos. Mas no concelho vizinho de Ílhavo, por exemplo, as marchas de S.João nunca mais voltaram a ser organizadas. E há outros exemplos semelhantes noutros municípios. O que aconteceu? Marasmo? Apatia?
Não quero que me interpretem mal e que julguem que aponto o dedo apenas às organizações dos eventos, muitas delas autarquias. A própria sociedade alterou-se. Os hábitos e as rotinas mudaram. Tenho sempre a sensação de que ficámos todos toldados por um nevoeiro que nos fez esquecer parte de quem eramos antes de 2020. As forças que juntavam as comunidades em prol de um objetivo comum adormeceram e, cinco anos volvidos desde o início da pandemia, não me parecem ter ainda acordado totalmente desse sono profundo. Não sei se nos acomodámos, se descobrimos outros prazeres ou se nos habituámos a algum isolamento. Não sei se foi também o facto de, com o tempo que durou a pandemia, o Mundo ter mudado naturalmente e isto – que entorpecimento de que falo – acabar por ser fruto da passagem do tempo pelo ser humano. Até porque existe uma influência cada vez maior da internet na vida das pessoas, do tempo em frente aos ecrãs e, com isso, cresce o individualismo. Sei que mudámos. E, não querendo ser saudosista, confesso que gostava muito que, em alguns aspetos, voltássemos a ser quem eramos.
Salomé Filipe
Diretora do Jornal