OPINIÃO

Lembrando professores da escola em tempos de Guerra – Parte I

O Cantinho de João Ferreira
Vim de vale de Ílhavo para Vagos com apenas quatro anos de idade, a par com o meu irmão Manuel Armando Ferreira que tem dois anos a menos. Na altura que fui para a escola primária, o edifício era o que hoje serve a Biblioteca Municipal (já com outra configuração, visto que nas obras dos nossos dias só se aproveitou a fachada), já caminhava para os oito anos de idade e era outubro de 1939, a Segunda Grande Guerra Mundial tinha começado em 1 de Setembro, cerca de um mês antes do ingresso deste jovem aluno na Escola Primária de Vagos.
Sem querer caluniar ninguém, tenho a referir que a minha vida foi das mais desventurosas e infelizes, tanto assim que passando da primeira para a segunda classe, minha mãe, Rosa de Jesus Ferreira, para poder trabalhar, afastou-me da escola para eu a ajudar a tomar conta da minha irmã mais nova Maria Armanda. Quis o fado que a víssemos sepultada desde os três anos no cemitério de Vagos, no mesmo espaço do nosso Avô: Constantino Ferreira.
Voltando à minha educação formal… estava um dia com o meu irmão Armando, ambos a pedir esmola em frente a uma casa que já não existe, frente à Praça da República, quando um jovem advogado que nunca poderei esquecer, nos perguntou se não andávamos na escola. Quando respondemos que não, explicando que era por falta de meios, a surpresa foi oferecer a ambos a possibilidade de estudar, comprando os materiais e tratando de tudo. Como já referi, nunca poderei esquecer este homem que me fez voltar à escola e ter os parcos estudos que tão bem me serviram até hoje. Sem ele não teria levado a vida como levei. Eternamente grato Sr. Eduardo Pericão, da Quinta do Picado!
Ao longo da educação primária tive quatro professores distintos: três homens e uma senhora. Terei de falar nos nomes dessas pessoas, bem como de alguns ensinamentos que ainda hoje guardo. Os professores foram: Sr. Santos Jorge na primeira classe, que vinha de Sanchequias de bicicleta para nos ensinar no primeiro andar; Sr. Matos na segunda classe, que se hospedava na casa do Sr. Carlos Trinta; Sra. Fernanda Pires Afreixo na terceira classe, que vinha de bicicleta da rua de São Roque de Aveiro, e era tão boa pessoa que dividia o seu repasto com os alunos mais pobres ; por último, Sr. José Cândido na quarta classe, que tinha 25 alunos ao seu cuidado (adicionados a 15 da primeira classe que ensinava na mesma sala).
O professor José Cândido disse à turma, pelo terceiro dia de aulas que este articulista viria a ganhar o prémio de melhor aluno, e não se enganou. O prémio a que se referia, e que tive a honra de ganhar para o lado masculino no final do ano letivo, a par com a Cármina Matos, esta para o lado feminino, era o “Prémio Padre Rocha”, que somava o valor de 54 escudos, equivalente nesse tempo a uma semana de trabalho da minha mãe, que cavava a terra de sol a sol. Em tom de gratidão pela oportunidade que foi lograr a quarta classe, em tempos que mal havia para comer, doei o valor por inteiro a minha mãe que agradeceu em lágrimas. O mesmo professor José Cândido, um dia disse para ir ao quadro e escrever: “O João Ferreira é o aluno mais pobre da quarta classe. Mas felizmente tem ‘pão’ para dar a todos os outros alunos”. O “pão” a que se referia eram as reguadas, as quais, alguns alunos até me davam comida para eu as aplicar de forma mais amigável.
Este artigo continuará em maio por forma a relembrar outras coisas da minha escola, que sinto dignas de partilhar. Em abril falarei sobre os cinquenta anos da revolução, mal parecia não o fazer.

João dos Santos Ferreira

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