OPINIÃO

Dia dos Namorados -10 Quarta feira de cinzas – 0

Opinião

No ano da graça de 2024 deu-se a coincidência de 14 de fevereiro marcar o dia dos namorados e a quarta feira de cinzas. Foi terrível porque, como sabem, a Igreja Católica prevê que “o jejum e a abstinência são obrigatórios em Quarta-Feira de Cinzas e em Sexta-Feira Santa” e, como tal, não é dia para festejos nem para comer, quanto mais carne. Assim, os restaurantes devem ter ficado devastados com esta proibição e com o receio de ficar às moscas. Recordo que, bem ou mal em termos científicos, aprendi na catequese que Carnaval queria dizer “adeus à carne”, porque seria o último dia sem restrições e sacrifícios até à Páscoa.
Acordei. Os restaurantes estiveram cheios, com necessidade de reserva bastante antecipada e as únicas cinzas que se viram foram as dos braseiros dos rodízios. Alguém deu pela Quarta Feira de cinzas?
Admito que esta circunstância não provoque nenhum drama, mas é a prova que o Portugal de 2024 é um país que nada tem a ver com o país de há 30 anos atrás.
Os dois movimentos são distintos: um a subir e outro a descer e chocaram no dia 14 de fevereiro. Na rampa ascendente está o dia dos namorados, como o halloween e o black Friday. Em queda livre está a Quaresma e o Advento, por exemplo. Ali no meio, seguram-se os Santos Populares e o Natal…e talvez algumas procissões.
Não me interpretem mal, não faço nenhum risco no chão para dividir a festa da devoção, mas é claro que a perceção das pessoas sobre a vida e os hábitos em sociedade mudou. Não quero fazer nenhum exercício de saudosismo nem sequer tentar um juízo de valor, mas lá que tudo mudou ninguém regateará.
Tudo mudou…menos a Igreja
Infelizmente a Igreja Católica perdeu um pouco o movimento do mundo. Por vezes fica a sensação que o Concílio Vaticano II esteve à frente do seu tempo e que tinha uma atuação profética para o pós anos 60 mas depois perdeu o ímpeto. Os bispos tiveram a boa onda dos Beatles e tentaram enquadrar bem o que o maio de 68 tornou evidente mas cedo se perdeu o espírito reformista ou, dizendo de outra forma, parece que o Espírito Santo esgotou nesse momento o seu sopro para estas últimas 6 décadas.
A Igreja viveu muito tempo agarrada às tradições, à ideia que o conservadorismo era sinónimo de virtude e à doutrina de que fora das normas ditadas só havia o fogo do inferno. No mundo anterior, o medo do castigo divino e da censura social garantiam o cumprimento da prática religiosa…e o acatamento do preceito do jejum.
Hoje não é assim. A pessoa tem que sentir que a religião é importante, que responde às suas questões e contribui para a realização pessoal. Já lá vai o tempo em que a espiritualidade se impunha pela força, ostensiva ou socialmente percecionada. As pessoas não aceitam proibições por proibições ou constrangimentos à sua vida que parecem gratuitos.
É tempo de também a Igreja acordar. É verdade que temos exemplos fantásticos, a começar pelo próprio Papa Francisco, e intervenções refrescantes e abrangentes como a do D. Américo Aguiar ou a do D. José Tolentino Mendonça, mas, na realidade, os interlocutores típicos nas comunidades e na comunicação social parecem pastores que não perceberam que o rebanho já não lhes reconhece a voz.
Precisamos muito de voltar a acreditar. Que cada um acredita em quem quiser, em quem tiver fé, mas não percamos esta dimensão da nossa vida. Não necessariamente para voltarmos ao tempo da abstinência, mas para termos mais energia e esperança e continuemos a viver em plenitude (“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”). Para podermos jejuar ou namorar, como entendermos, em consciência.
Óscar Gaspar

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