Ao iniciar esta rubrica com o apoio do meu neto Tiago, que já nos dois meses anteriores me apoiou, dou inicio a lembranças de filmes que não só vi, mas que também passaram nos vários “cinemas” provisórios que Vagos teve. Começarei pelo filme “O ladrão de Bagdad”, que vi no antigo salão dos bombeiros (o que ardeu há cerca de quarenta anos). Tinha quatro anos e meio quando visionei essa fita, com a mesma idade vi também “O regresso do par invisível”, mas não logrei a hipótese de ver “O trevo de quatro folhas” com a grande artista Beatriz Costa.
Ainda que me faltasse dinheiro para entrar na sala e visionar o filme confortavelmente sentado numa cadeira ou banco, esse facto veio a provar-se como a maior das sortes… nessa altura vivia com o meu avô Constantino que tinha sofrido uma trombose que lhe paralisou ambos os membros do lado direito. Não tendo a possibilidade de entrar, ainda trepei por umas pedras e vi um pouco do filme pois as portadas estavam abertas, no entanto os porteiros cerraram as portadas das janelas e, não podendo mais ver o filme, fui para casa. O meu avô materno Constantino estava à lareira para se aquecer e tentando colocar gasolina num isqueiro, largou fogo a ele próprio, no casaco e na boina. Aflito com a situação e vendo que acabava de chegar pediu:
-Joãozinho! Tira-me a boina e o casaco ou morro queimado!
Com a maior das pressas saquei-lhe a boina e o casaco ao que o meu querido avô me disse:
– Meu “anjo”! Com quatro anos e meio acabas de salvar a vida ao teu avô.
Vivia na altura com o meu avô porque a minha mãe estava presa na cadeia das mulheres, com o meu irmão Armando que era dois anos mais novo que eu. Estavam presos porque ela tinha quebrado o braço a uma senhora que a insultou, para não deixar o meu irmão de dois anos sem mãe nem pai levou-o, isto tudo, sem julgamento nem nada.
Tornando ao assunto da rubrica, o cinema em Vagos realizava-se não só na frente do antigo salão dos Bombeiros como na traseira. Pelos meus dez anos vi nesse cinema frontal de rés-do-chão, de onde retiravam viaturas para que coubessem mais cadeiras e bancos, o título: “O pátio das cantigas” entre outros… na altura o comandante dos bombeiros era o Sr. Narciso João Gravato.
Para nomear mais títulos visionados no primeiro salão: “Amor de perdição” com o inesquecível ator António Vilar no papel de Simão Botelho e Carmen Dolores no papel de Teresa; “Um homem às direitas” com os atores Barreto Poeira e Vergílio Teixeira; e “Fátima, Terra de Fé” também com Barreto Poeira. E depois dos filmes serem exibidos no quartel dos bombeiros passaram para o primeiro edifício do Centro de Educação e Recreio.
Neste novo “cinema” visionei inúmeros filmes, tanto Portugueses como estrangeiros, coisa que no anterior salão dos Bombeiros era fator que diferenciava o preço: 1 escudo para filmes estrangeiros e 15 tostões para os Portugueses, que é o mesmo que dizer escudo e meio.
Os demais “cinemas” foram no Salão Paroquial situado na avenida Dr. Lúcio Vidal, e já nesse tempo a máquina de projetar era pertença do Sr. Padre Manuel Carvalho e Silva, que era ajudado nas exibições pelo Sr. Amílcar Dias de Oliveira; no pátio da casa do Sr. Pompílio Franco, em frente ao armazém do Sr. João Belo, que era gerido pelo Sr. Benedito Valdemar Ribeiro de Almeida; e ainda algumas exibições na casa do Sr. Freitas, onde que me lembro de passar o filme espanhol “Carmen, a de Triana”; também na esplanada do café Guarany no tempo de gerência do Sr. Américo Mateus; se bem que a última instância a reproduzir fitas de cinema em Vagos foi uma empresa que veio de fora e passava filmes diariamente, mas acabou por falir.
Estes são tempos saudosos para este “jovem” João dos Santos Ferreira, com quase 92 anos. Na edição do mês que segue tenho intenção de versar sobre um assunto da maior importância que decorreu na Rua Padre Vicente Maria da Rocha.
(A foto é do Centro de Educação e Recreio, tirada recentemente)
João dos Santos Ferreira
