Editorial
Se todos sabemos que a internet e as redes sociais trouxeram tanto de bom como de mau à sociedade, à medida que o tempo passa eu não consigo parar de acrescentar pontos negativos à lista – ainda que me mantenha, obviamente, consciente dos positivos. E, na semana em que os incêndios devastaram uma grande área florestal na região de Aveiro, atingindo em força vários concelhos, dei por mim a desejar que um qualquer fenómeno, por aqueles dias, interditasse o nosso acesso às redes sociais por algumas horas.
Não tenho memória de, nos últimos anos, ter havido tantos incêndios florestais ao mesmo tempo na nossa região. Ainda que, em trabalho, já tenha estado em diversos cenários de fogo, o sentimento de insegurança generalizada que se viveu na semana de 16 de setembro não foi algo que eu me recorde de ter vivenciado recentemente. Pelo menos, não nesta era em que a internet e as redes sociais dominam uma parte significante da vida de grande parte da população. E assustou-me o rumo que isto pode levar, confesso.
Ainda que todo o país tenha estado de olhos postos nos incêndios, solidário com concelhos como Albergaria-a-Velha, Sever do Vouga, Castro Daire ou Gondomar – esses dois últimos noutras zonas –, o facto de ter havido vários fogos de gravidade extrema na região de Aveiro fez com que, invariavelmente, as redes sociais de quem por cá vive tenham sido inundadas, por aqueles dias, com um único assunto: os incêndios. E a sensação com que eu fiquei, honestamente, foi que a avalanche de informação foi tanta, mas tanta, que contribuiu para um pânico generalizado, em nada benéfico numa situação em que era crucial existir calma e lucidez.
A plataforma denominada “fogos.pt”, muito útil se for usada para aquilo que foi criada – informar detalhadamente sobre os incêndios que estão em curso, em determinado local –, acabou por ser uma ferramenta utilizada de forma excessiva por muitos internautas. Foram inúmeras as capturas de ecrã dessa plataforma difundidas, vezes sem conta, de forma errada.
Se uma ignição era registada em Vagos, em Ílhavo, ou em Aveiro, por exemplo, de imediato era partilhada por várias pessoas em diversos grupos de Facebook. E em muitas situações – muitas, mesmo –, tratava-se de pequenos fogos, apagados prontamente por dois bombeiros e um veículo de combate a incêndios. Aliás, muitas vezes, vi nas imagens partilhadas, dessas tais ignições, que as chamas tinham sido apagadas dois minutos depois da chegada de socorro ao local.
Ora, com grande parte da região a arder de forma desenfreada, importava mesmo causar mais alarme com situações de menor importância? Questionei-me vezes sem conta: para quê? Já não chegava a angústia no peito com as notícias que nos chegavam? Já não era suficiente a impotência, o pânico que se sentia ao andar na rua, muitas vezes só sendo confortável respirar fora de casa com máscara, com o céu envolto numa cortina negra de fumo? Para quê, além de tudo isso, que já era grave o suficiente, colocar os outros, os nossos concidadãos, em sobressalto ainda mais constante? Temo que a avidez de imediatismo nos esteja a toldar o bom senso. Aliás, tenho a convicção de que está mesmo.
Salomé Filipe
Diretora do jornal