Reflexões sobre a alta competição
Recentemente (em 12 e 17 de fevereiro) o nadador Diogo Ribeiro sagrou-se Campeão do Mundo de Natação, nos 50 e 100 metros Mariposa, nos Campeonatos Mundiais realizados no Qatar.
Ser Campeão do Mundo é já uma enorme proeza, mas ela é ainda maior quando se realiza numa modalidade – a Natação – onde tal nunca aconteceu. Antes dele, nunca um nadador português tinha atingido um lugar no pódio e estar numa final (mundial ou olímpica), o que poucas vezes aconteceu, era já uma grande proeza.
Por tudo isto, este é verdadeiramente um feito histórico, que nos vai fazer refletir sobre a alta competição em Portugal. Como se chega a este patamar? Qual o papel do Estado? E dos Clubes? E da Escola? E da Federação? E das Famílias? E como é a vida dum atleta de alta competição?
Um pouco de história
Até 1974, Portugal situava-se no grupo de países europeus com menor desenvolvimento desportivo, fosse ao nível do desporto de base, ou ao nível do desporto de rendimento, objetivado nos resultados das grandes competições, onde muito raramente se obtinham classificações meritórias. É na década de 1980 que se iniciam as primeiras vitórias significativas em competições internacionais, assistindo-se, progressivamente, ao alagamento quer do número de atletas vitoriosos, quer do leque de modalidades com sucessos. O Atletismo (e a escola portuguesa de meio-fundo do Professor Moniz Pereira) terá sido a modalidade pioneira destes grandes sucessos consistentes, mas outras se seguiram.
É hoje inquestionável a melhoria do “valor desportivo nacional”, sendo este um indicador representativo dos resultados alcançados em competições internacionais de relevo. No entanto, este progresso qualitativo do desporto português raramente é sustentado por uma base alargada e qualificada, podendo dar-se este exemplo da Natação, onde apenas um atleta (ou pouco mais) atinge este nível excecional. Trata-se, portanto, de uma realidade desportiva “a dois tempos”, onde coexistem sinais evidentes de modernidade e de desenvolvimento, com situações de atraso estrutural e de subdesenvolvimento.
Como chegar ao patamar de Campeão do Mundo?
Temos como verdadeiro o princípio de que nada acontece por acaso, nem é consequência da sorte; pelo contrário, exige-se uma estratégia global, com a definição das responsabilidades do Estado, mas também do movimento associativo desportivo (Federações, Associações e Clubes), das Escolas, das Famílias e dos próprios atletas. Só poderá haver progressão significativa do valor desportivo nacional, se houver afetação de recursos suficientes e, mais importante, que se afetem corretamente esses recursos.
E qual o papel e a função dos diversos agentes intervenientes? O Estado, já o vimos, deve ser o agente financiador, mobilizador e regulador do sistema, competindo-lhe definir um plano estratégico e uma política global, que mobilize os diversos agentes intervenientes (do sistema desportivo, do sistema educativo, atletas e respetivas famílias). Dentro deste pressuposto, deve existir uma política de deteção de jovens talentos, o seu encaminhamento precoce para clubes e o seu enquadramento por Centros de Alto Rendimento Desportivo, que todas as Federações Desportivas possuem. Os clubes terão de ter um funcionamento tecnicamente perfeito, que induza evolução e progressão; as Federações terão de enquadrar estes jovens talentos em programas de alta competição (estágios e competições internacionais, reforço de treino, etc); as Escolas não podem prejudicar as carreiras desportivas de alto nível, devendo os jovens talentos ficar enquadrados pelo Estatuto de Alta Competição, que lhes permite um tratamento de exceção (épocas especiais de exame, entrada direta no ensino superior, aulas suplementares de apoio, ensino à distância, etc.).
Sendo atleta adulto, terá de estar integrado no Programa Olímpico e ter uma bolsa, que financie a sua subsistência (há 30/40 anos, o Carlos Lopes era simultaneamente funcionário bancário e atleta de elite, mas tinha um estatuto especial que o isentava do cumprimento de parte do horário de trabalho). Este modelo mostrou-se ultrapassado e obsoleto: um atleta de topo terá de se dedicar a 100% e terá de ter todas as condições – de treino, de vida, de saúde, de apoio médico, de alimentação, de enquadramento social, familiar e psicológico).
E os atletas?
Bom, aqui reside o principal problema, porque há cada vez menos jovens dispostos a sacrificar os melhores anos da sua juventude, passando por grandes privações, sacrifícios e prejuízos de toda a ordem, em nome de um ideal – ser um praticante desportivo de elite.
Por isso, terá de funcionar um eficaz sistema de deteção precoce de talentos e o seu enquadramento desportivo, escolar, social e familiar. Nada poderá falhar, porque são raros os detentores destas qualidades especiais necessárias para o sucesso e cada atleta de alto rendimento representa um elevado investimento de recursos públicos, atribuídos pelo Estado às Federações Desportivas.
Por isso, se é muito importante o encaminhamento de crianças e de jovens para estilos de vida ativos e saudáveis, numa perspetiva de promoção da saúde, não é menos importante o encaminhamento para o desporto rendimento, uma vez constitui o terreno da representação nacional.
Todo o país se orgulha dos seus campeões, mas muito poucos conhecerão (ou imaginarão) os sacrifícios que fazem para chegar ao topo.
A história do Diogo Ribeiro
Este jovem talento tem 19 anos, mede cerca de 1,80m e treinou sempre em Portugal, embora alguns “entendidos” tenham defendido que nunca haveria um nadador português Campeão do Mundo e, se existisse, teria de treinar num Centro de Alto Rendimento (CAR) dos Estados Unidos, Londres ou Paris.
Perdeu o pai aos 4 anos, tornando a sua ausência uma obsessão que levou a mãe (que sempre o apoiou) a inscrevê-lo precocemente na Natação, para dar um sentido à sua vida. Há 2 anos teve um despiste de mota, ficou internado num hospital (queimaduras, fraturas, luxações num ombro e perda de parte do indicador direito) e julgou ter terminado a sua carreira de nadador.
Iniciou-se em Coimbra, nas Escolas de Natação da Fundação Beatriz Santos e, mais tarde, transferiu-se para o Náutico Académico e para o União de Coimbra. Em 2021, após bons resultados desportivos internacionais, passa a viver em Lisboa e a competir no Benfica, ficando afeto ao CAR do Jamor e ao Prof Alberto Silva, selecionador nacional.
Tem como ambição vencer, nos próximos Jogos Olímpicos de 2024. Acreditamos que sim, mas vamos esperar para ver. E, já agora, é um exemplo que merece ser seguido.
Paulo Branco