Opinião
Tempos estranhos estes. Tempos de que não tínhamos memória e que pensávamos não ter de recordar. O nosso dia a dia corre mas as redes sociais que nos seguem registam as mudanças profundas que vão acontecendo. O mundo está mais perigoso e assusta-nos que alguns avanços não só estejam em recuo, como sejam objetivamente desvalorizados. Ou é isso ou estou a ficar velho. Já nem falo em valores como a verdade ou a justiça mas em objetivos que assumia como generalizados como a educação, a cordialidade e a boa discussão de opiniões.
Os ventos são fortes e vêm de longe. Com desfaçatez, todos os dias chegam do outro lado do Atlântico orientações desconexas e erráticas, que nem escondem a sua absoluta parcialidade e o objetivo de mercadejar tudo desde que seja em proveito próprio. Há muito que a mentira é apenas mais uma tática comercial e uma ferramenta de combate político, com a moto-serra da propaganda e o martelar de posts em causa própria. Deporta-se primeiro e justifica-se depois, põe-se em causa a autonomia dos juízes de que não se gosta, atacam-se os mensageiros pelas mensagens, destratam-se publicamente os convidados e vendem-se os produtos dos amigos. Nunca tal tínhamos visto e bem que o dispensávamos.
São ventos malsãos que tentam normalizar o que é inaceitável. Até parece que é assim por todo o lado, com a Roménia a ter de repetir as eleições presidenciais pela interferência da Rússia e os serviços de informação alemães a classificarem o partido AfD como extremista de direita que “desvaloriza grupos inteiros da população e mina a sua dignidade humana”, o que “não é compatível com a ordem democrática básica”.
Por cá, no dia 18 de maio tivemos eleições e as conclusões foram claras: ganhou a AD, que deve formar governo, e perdeu o PS, cujo líder de imediato retirou as devidas consequências. Esta é a parte normal da política e, estando do lado de quem vence ou de quem é derrotado, podemos ficar satisfeitos e esperançosos ou frustrados e tristes, mas temos a certeza que os novos poderes de hoje têm de mostrar no terreno a sua razão, serão julgados por isso, e voltaremos a disputar a atenção do melhor que cada um de nós quer para a terra que é de todos.
A parte diferente da história é que há uma nova via para canalizar protestos e desencantos. Um aglutinador que vende ilusões a quem muitas vezes olha para a realidade com mágoa, com desespero, quando não com raiva e ressentimento. Pessoas que têm razão quando sentem que os políticos se enredam em discussões entre eles, que nada contribuem para o bem estar e parecem mesmo insensíveis às dificuldades com a habitação, a saúde, a educação, o emprego, a justiça… O problema é que, cá como em muitos outros lados, há máquinas que se especializam em instigar ódios, promover a divisão e fazer dos distúrbios constantes a forma de ser e atuar. A história já viu muitos destes discursos messiânicos no último século e nenhum deles acabou bem nem trouxe qualquer desenvolvimento aos países ou solução para os cidadãos.
O problema não está na “direita” ou na “esquerda”, está na “extrema”, quando tal significa romper com a lei, desrespeitar os direitos, humilhar as pessoas, calar as críticas, mentir despudoradamente, dominar pela força bruta.
Com esta “extrema” não há espaço para discutir ideias porque não partilha connosco um consenso mínimo sobre a vida em sociedade e sobre o modelo social que construímos durante décadas e que, se deve ser melhorado, tem de ser mantido para não voltarmos ao antigamente e ao poder só daqueles que mandam.
Tivemos que chegar aqui em 2025 quando França já o tinha percebido em 2002: mais importante do que ser de esquerda ou de direita, a fronteira está entre os democratas e os que sonham com a autoridades dos homens fortes. Hoje é o tempo de acordar e de percebermos que, acima das nossas ideologias, o que está em jogo é a democracia. Por ela como valor mas também pelos seus méritos enquanto partilha de um futuro comum vale a pena lutar. Antes que seja tarde demais.
Oscar Gaspar
Presidente da Mesa da AG da SCM Vagos