Editorial
Tenho a sensação de que, nos últimos dias, tudo já foi dito sobre o Papa Francisco. Mas, ao mesmo tempo, sinto que nunca haverá palavras suficientes para escrever ou para falar sobre ele. Eu, certamente, não as tenho.
Há 12 anos, quando Jorge Mario Bergoglio foi eleito Papa, muitas foram as histórias que se contaram sobre ele, para apresentar ao Mundo quem era aquele cardeal argentino de sorriso pronto e aberto. Ficou-me, até hoje, aquela em que se noticiava que Francisco, já após a eleição – e, portanto, já figura maior da Igreja Católica –, havia tido o cuidado de telefonar, desde Roma, para o dono de um quiosque, em Buenos Aires, de modo a que fosse cancelada a entrega de jornais que era feita, diariamente, na sua residência oficial – exceto ao domingo, dia em que Bergoglio fazia questão de passar pessoalmente pela banca de jornais, para comprar o jornal e para dar dois dedos de conversa.
A história do simples telefonema sempre foi, para mim, símbolo de quem era Francisco. Empático, humanista e afável. Um de nós. Depois, mostrou-se um líder progressista – para desagrado da fação mais conservadora da Igreja –, congregador e elo de diálogo e de paz. Não fosse isso, não chorava agora todo o Mundo a sua morte – os católicos, obviamente, mas também ateus, agnósticos e pessoas de outras religiões. O Papa Francisco ficará na história por ter aberto a Igreja a “todos, todos, todos”, como deixou bem claro na sua intervenção em Lisboa, aquando das Jornadas Mundiais da Juventude. Agora, “todos, todos, todos” lhe dizem adeus, já antecipando a saudade que deixa – num momento em que, a nível mundial, a sua voz era tão necessária e, diria mesmo, imprescindível.
Não posso, contudo, deixar de manifestar desagrado pela decisão tomada, em Portugal, pelo nosso Governo, que decidiu adiar os momentos festivos relativos às celebrações do 25 de Abril, devido ao facto de terem sido decretados três dias de luto nacional pela morte do Papa. E, à boleia, vários municípios já cancelaram ou adiaram as comemorações que tinham agendadas. Não se trata de uma “festa” qualquer, convenhamos. As celebrações da Revolução dos Cravos são o exaltar de uma conquista que tem como nome “liberdade”. É o dia em que se diz “sim” à democracia. Não vão os valores de Abril ao encontro do que advogava Francisco? Negá-lo é, no meu entender, não ter interpretado, de todo, a mensagem que ele nos passou.
Salomé Filipe
Diretora do Jornal