Opinião
Há quem diga que o problema é o Lobo. Outros dizem que é o Pedro. Eu cá acho que o problema também é do bardo.
O Lobo anda por aí tantos anos que já ninguém se lembra quando começou a rondar. Às vezes ruge, outras nem por isso. Mas está cá. Sempre à espreita e a causar tremores. Na aldeia gaulesa da Europa, os inimigos sempre foram numerosos mas a ameaça real hoje não são os bárbaros, nem sequer os romanos. O Lobo Mau é o enfraquecimento da Europa. É a economia que não cresce, a indústria que não volta, a energia que custa, os rendimentos que não chegam, a habitação que escasseia, a tecnologia que escapa. É isso tudo e mais qualquer coisa. Um cansaço. Um adormecimento de civilização. O esvair de um sonho que muitos tiveram e para o qual cá em Portugal prometemos convergir.
E, como em qualquer boa fábula, enquanto o perigo se aproxima, há sempre um bardo que canta. Sim, o bardo. A nossa Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, musa de Bruxelas. Há dias subiu ao palco para o discurso do estado da União e o tom foi sério e formal mas para uma boa parte dos europeus, supondo que ouviram, soou a Cacofonix, o bardo da aldeia do Asterix. Foi fantástico ouvir como estamos a trabalhar para um futuro glorioso da Europa, com habitação para todos, empregos dignos, soberania tecnológica, liderança climática, solidariedade migratória e até, quem diria, a promessa de erradicar a pobreza até 2050.
Os problemas estão bem identificados mas a ladainha de Bruxelas não chega aos confins da Europa. Os portugueses, como com certeza os romenos ou os suecos, continuam a ver mais a UE como uma máquina de regulamentos (ia dizer de rolamentos, mas esta anda mais) e, concedamos, boas intenções mas com uma inércia enorme e uma desesperante inação.
Quem faz os discursos tem muitas qualidades mas o espelho da realidade é duro. Fala-se de habitação, de IA, de empregos qualificados, de paz e de energia limpa. Tudo parece possível mas tememos que, à semelhança do passado recente, tudo fique igual. É como o bardo da aldeia do Asterix. Canta com entusiasmo, com ternura, com convicção. Só que depois nada acontece…a não ser uns regulamentos.
Falta-nos poder de fogo, não no sentido literal mas como instrumento de ação. Precisamos de quem fale em nome da Europa, de quem não atue apenas pelos impulsos externos e de quem, de uma vez por todas, faça.
Há quem diga que o Verão de 2025 será conhecido como os meses da capitulação. Depois da Cimeira da Nato em que alguns europeus trataram o presidente americano por pai, fechou-se um acordo sobre tarifas num hotel do tal presidente e, relativamente à guerra na Ucrânia, a UE foi simplesmente ignorada. Em termos morais também é chocante como continuamos a assistir, de forma até aqui acrítica, à gravíssima crise humanitária na faixa de Gaza, que atingiu níveis inimagináveis, numa punição coletiva com deportações em massa, fome e morte de inúmeros civis, incluindo crianças, profissionais de saúde e jornalistas.
Enquanto isto decorre, não sei se sabem, mas o mundo continua a rolar. E não está muito impressionado com os problemas internos da Europa. Pura e simplesmente estamos a ficar para trás nas tecnologias mais desenvolvidas e nos projetos mais promissores. A prazo, a muito curto prazo, isto significa que também não teremos os melhores salários nem as condições de desenvolvimento.
Em termos económicos a Europa atrasa-se, em termos sociais acumulam-se tensões (veja-se a rotação de governos em França, sem entendimento sobre a reforma da segurança social) e o pior de tudo é se perdemos a esperança no modelo europeu. Acreditamos que devemos caminhar para uma sociedade livre, mais justa e inclusiva, em que o poder do povo (democracia, diz-se em grego) determina as soluções políticas, em que ninguém está acima da lei, e uma economia competitiva. É nisto em que acreditamos e não aceitamos receitas velhas que só nos embrutecem e atrasam.
O Pedro desta fábula tem sido Mario Draghi. O italiano que já salvou o euro uma vez e agora anda aos gritos a dizer que isto vai tudo abaixo se não nos mexermos. Gritou “Lobo!” — outra vez. Como sempre. E como sempre, ninguém quer saber. O que Draghi propõe é que o tempo da canção acabou. Ou a Europa decide com coragem, executa com rapidez e age como bloco coeso, ou o projeto europeu perderá aquilo que o tornava único: capacidade de melhorar vidas concretas, não só desenhar utopias.
E Portugal? Aqui os discursos de Bruxelas ainda chegam mais esbatidos e cada vez há menos esperança em boas soluções. Temos casas caríssimas, salários baixos, serviços públicos que parecem apostas desportivas: nunca se sabe se acertamos ou não. Temos burocracias que matam ideias, e ideias que nascem já velhas. Somos uma aldeia onde os bardos ganham tempo e os planos estratégicos acumulam pó — enquanto o Lobo já mastiga os alicerces.
Porque o lobo está mesmo aí temos de acreditar, não com uma fé vã mas com a fundamentada inteligência, de que temos os meios para refundar a Europa. Os europeus em geral, e os portugueses em particular, precisam que os ouçam e que se encontrem soluções. E precisamos todos de lutar contra o lobo da descrença e da divisão.
Oscar Gaspar
Presidente da Mesa da AG da SCM Vagos