OPINIÃO

Uma casa com mais de sessenta anos

Cantinho de João Ferreira

Vou começar quando não havia nada em Vagos, nem bancos, nem hotéis, nem nada: havia só uma quinta, propriedade de homem riquíssimo, onde hoje é o banco BPI, onde outrora foi o “Fonsecas & Burnay”. O vosso modesto articulista, tinha recebido um cheque em 1968, pagamento de um trabalho de pintura, num prédio da avenida Fernão de Magalhães da cidade do Porto, que pertencia ao senhor José de Matos Lima. Acontece, como tinha referido, que não havia bancos em Vagos… e eu, sem alternativas, fui a Ílhavo fazer o depósito da quantia. O senhor que trabalhava no banco desconfiou de eu ter aquela quantia tão elevada disse:

  • Que negócios tem o senhor com o José de Matos Lima para ele lhe ter passado este cheque?
    Ao que tornei:
  • Dá-me a impressão que o senhor está a desconfiar de mim… Foi para um prédio em que pintei o exterior, de sexto andar e com tinta areada, e com várias pessoas a trabalhar para mim. Tanto assim que ele ficou muito admirado de eu ser o primeiro a fazer a cobrança só no final do trabalho.
    Aí o empregado do banco, ainda meio baralhado, depositou o cheque… o primeiro de muitos, até abrirem bancos em Vagos. O primeiro banco em Vagos, como tinha dito foi o “Fonsecas & Burnay”, mas antes de o ser, houve ali um café da família Trindade, da qual ainda hoje sou amigo. Esse café foi um dos locais onde laborei quando me dedicava a aplicar papel de parede por tudo quanto era sítio.
    Em Águeda, por exemplo, numa casa de primeiro andar onde pagavam formosamente, tinha sempre dinheiro comigo… estando na disposição de preencher um Totobola no dito café, para não pagar por inteiro, pedi sociedade a um amigo de longa data já finado. Até aqui tudo bem, o problema foi ele ter insistido:
  • Parece que são empates a mais…
    Da chave que ainda lembro ser: “X12XXXXX11XX2”, foram retirados quatro empates e assim a sociedade acertou apenas nove em treze. O curioso é que passado algumas semanas de vergonha, o amigo veio dizer-me:
  • Tirei-nos uma fortuna das mãos.
    Nunca me zanguei com ele e nunca deixamos de ser amigos. Do que me lembro, um senhor acertou em duplas e ganhou sete mil e duzentos contos: a chave era igual à minha.
    Sendo o primeiro banco o Fonsecas & Burnay, o local empregou em tempos o senhor Manuel Ribeiro que vive na Lavandeira e o senhor Maia que vive em Ouca. Quanto senhor Ribeiro, foi um grande amigo que já tendo carro, me levou a Ílhavo e de volta, para depositar o dinheiro em vagos, no Fonsecas & Burnays que me ficava mais “em caminho”.
    Já casado e morador em Soza, no ato de levantar cinco mil escudos nesse banco, reparei já quase a sair que tinha em posse dez vezes mais que o que era meu. Voltei à caixa e inquiri:
  • Quanto é que o senhor me deu?
    O funcionário respondeu que, tendo eu saído dali de ao pé, já não contava. Assim que lhe disse:
  • Então os quarenta e nove “contos” e quinhentos que aqui tenho são meus?
    O homem quase começou a chorar com medo que não lhos devolvesse.
    A foto que deixo para ilustração deste trabalho mostra a dita casa, onde tudo isto se passou, e como já tinha dito, é uma casa com mais de sessenta anos.

João dos Santos Ferreira

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