EFEMÉRIDE

Ir até à missa na praia em chinelos e calções…

Happy family walking on the beach enjoying summer vacations

EFEMÉRIDE

SOLENIDADE IMPROVISADA. Voltei a ver o meu amigo num fim de tarde deste Verão que tardava em dar a cara. Contemplativo, andava nos passadiços da praia da Vagueira, onde me confessou continuar a ter saudades de tudo. Até do mar. Na conversa que tive com ele mostrou-se, para não variar, particularmente agastado com os políticos e com a religião. Por não terem mantido, no largo Parracho Branco, a missa dominical que, segundo recordou, costumava ser rezada, nos meses de verão, numa tenda montada junto ao antigo mercado, a escassa centena de metros do areal.
Foi o que aconteceu em 1993 quando o padre Abraão, recentemente colocado na paróquia da Gafanha da Boa-Hora, pediu à Câmara Municipal que diligenciasse no sentido de instalar na Vagueira uma tenda de campanha. Para acolher veraneantes e celebrar a eucaristia. Na altura não existia a desejada capela, que devia ser construída numa parcela de terreno, doada para o efeito à paróquia por um particular «muito antes do 25 de abril». O benemérito tinha, entretanto, morrido, mas os herdeiros mantinham a palavra. «A doação continua a estar de pé», confirmava então o padre Abraão. Só que, por circunstâncias várias, o projeto nunca teria avançado, até hoje.
Para aquele sacerdote, que estava acompanhado por um grupo de generosos voluntários, a missa dominical na praia seria, porventura, uma experiência inovadora para a comunidade, que todos os anos aumentava com os veraneantes. Em causa estava uma «necessidade pastoral», destinada a prestar o mínimo de assistência religiosa, quer na praia, no parque de campismo ou na sede da paróquia. Daí a oportunidade da solicitação à Câmara, que em ano de eleições autárquicas, fez o que lhe competia: endossou a petição para a Base Aérea de Tropas Para-quedistas de S. Jacinto. Que acabaria por ceder e erguer uma tenda gigante.
O meu amigo ainda se recordava de uma das missas, a que compareceu, no improvisado templo, duas tendas de campanha encimadas por uma cruz em madeira tosca. «As pessoas até traziam cadeira de casa, se não queriam assistir à eucaristia de pé!». Eram tempos diferentes, e até se à missa de forma descontraída – de calções e chinelos, com uma toalha de banho às costas. Bem diferente do que acontecia há meia dúzia de anos antes, quando só se entrava na igreja de manga curta ou de colarinho aberto – ou ainda de minissaia e decote mais arrojado até dava direito a reprimenda …
Até o padre Abraão se mostrava agradavelmente surpreendido, com a adesão e postura das pessoas. O sacerdote, que trazia consigo a imagem da Virgem, «desviada» da igreja matriz para conferir alguma riqueza e solenidade ao altar improvisado. Haveria de reconhecer que os fiéis talvez estivessem «mais descontraídos, mais à-vontade». Acrescentaria convicto, em conversa com um jornalista, no final da celebração, que «as pessoas vivem mais este momento de partilha, que é a eucaristia, aqui do que no interior de uma igreja».
Padre Abraão da Costa Lopes nasceu em S. João do Souto (Braga) em 1925, e foi ordenado presbítero em 1966, por D. Manuel de Almeida Trindade, na igreja paroquial de São Bernardo, tendo ainda exercido o ministério pastoral na «Obra da Rua» Casa do Gaiato (1966-1978). Foi ainda gerente da Livraria Santa Joana e serviu nas paróquias de Vilarinho do Bairro (com o Pe. António Vidal), Amoreira da Gândara, Ancas, Eixo, Eirol, Requeixo e Gafanha da Boa-Hora. Em setembro de 1999 retirou-se para Braga, por motivos de saúde. Faleceu a 21 de julho de 2020 (tinha 95 anos), vivia na Casa Sacerdotal de Braga.

Eduardo Jaques

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