Opinião
Na nossa memória afetiva, e na história desta paróquia, entrelaçada por tantos momentos de gratidão, prestamos hoje uma singela, mas sentida homenagem póstuma ao Senhor Padre Manuel António Carvalhais.
Natural da Choca do Mar, nasceu a 20 de outubro de 1937. Foi ordenado sacerdote na Sé de Aveiro, pelas mãos de D. Manuel de Almeida Trindade, no dia 30 de dezembro de 1962.
Entre os muitos dons e talentos que possuía e cultivou, destacava-se a facilidade com que dominava os altos registos da nossa língua materna. Intelectual e homem de Letras, tinha um profundo gosto pela escrita, pelo jornalismo e pela documentação histórica. Foi, sem sombra de dúvida, um exímio revisor de textos.
Ainda neste contexto da escrita, liderou durante 22 anos o jornal arciprestal Terras de Vagos. Infelizmente, com a sua saída, o jornal acabou por resignar-se ao silêncio.
Deixou-nos um valioso legado literário e histórico sobre Vagos e sobre o Santuário de Nossa Senhora de Vagos; um legado pelo qual lhe devemos profunda gratidão — trata-se de um legado intemporal, como só as obras com alma conseguem ser. Entre as várias obras que publicou, a última sobre o humor no Evangelho, dá a conhecer um outro lado da sua personalidade. Quem com ele privou, reconhece-lhe essa perspicácia humorística.
Homem culto e sensível, era naturalmente um apreciador fervoroso da arte sacra, do canto lírico e da música sacra na liturgia. Será, por isso, fácil de compreender o contributo e a motivação que imprimiu junto do nosso Coro litúrgico aquando da aquisição deste belo órgão de tubos, e que hoje nos presenteia com este maravilhoso concerto.
A ele, também devemos o nosso Museu Paroquial, fruto do seu esforço em reunir e preservar o espólio artístico da comunidade, garantindo assim que este património se mantivesse protegido e documentado. A propósito destas obras, dizia com frequência que “para Deus apenas o nosso melhor e o mais belo”.
Se tudo isto ainda não bastasse para justificar esta homenagem, recordemos também o seu serviço pastoral em várias comunidades, sempre com dedicação e entrega. Serviu a Diocese de Aveiro em múltiplas frentes e chegou a Vagos em 1993. Chegou para servir, e serviu com generosidade e muita dignidade, não só esta paróquia, mas também as comunidades vizinhas.
Não foi perfeito — ninguém, em consciência, o esperaria — mas foi, sem dúvida, um homem íntegro, agregador, congregador e um sacerdote exemplar. Sabíamos que nele podíamos encontrar um pastor com cheiro às suas ovelhas e nós éramos ovelhas com o cheiro do nosso pastor. Merece, por isso, o nosso reconhecimento pela proximidade que nutria por todos.
Era precisamente essa proximidade que marcava a sua ação pastoral. Recordar o Padre Carvalhais é recordar um amigo que, por acaso, era também um pai na fé, alguém em quem confiávamos e a quem entregávamos as nossas dúvidas e inquietações.
No meu coração — e quero acreditar que também nos vossos — tudo isto merece ser lembrado e celebrado. O Padre Carvalhais não deve, nem pode, ser esquecido. Do Alto, ele saberá como era (e continuará a ser) muito estimado.
Acredito que, em cada movimento desta comunidade, haja uma história bonita para contar sobre ele. Hoje, volvidos tantos anos, e neste contexto, creio que me perdoará por partilhar convosco um gesto seu que tanto me enternecia quando era animadora do Grupo de Jovens Monte Horeb. Foram vários os jovens que o Padre Carvalhais patrocinou, ele próprio, para que não deixassem de participar nos itinerários espirituais como o Nascer de Novo e os Convívios Fraternos. A única coisa que me pedia era discrição.
Tendo sido orientador espiritual do Conselho Central de Aveiro da Sociedade de São Vicente de Paulo, foi sempre um grande promotor da pastoral sócio-caritativa. Sabemos, todos, que não virava a cara a quem lhe pedisse ajuda e os mais atentos saberão como alimentava, com afinco e positividade, o espírito de todos os leigos, especialmente nos momentos de desânimo.
Permitam-me, já em jeito de conclusão, partilhar uma das qualidades que mais admirava nele. Apesar de ser um apreciador de tudo o que fosse eloquente, artístico e belo, vivia de forma simples, despojada, sem se distanciar da realidade do Povo de Deus que lhe fora confiado.
Concluo com uma frase muito sua, e que muitos recordarão — “Palmas só para Deus” — um alerta constante, para si e para todos nós, sobre esta linha ténue que separa o amor pelo serviço e pelo próximo da vaidade e da validação do ego. Essa sua pedagogia, nascida do próprio Evangelho, seguirá comigo, vida fora — e espero que com todos vós também.
Assim sendo… Palmas para Deus pelo dom que foi a vida deste nosso, para sempre querido, Padre e Amigo: Manuel António Carvalhais.
Catharine Antunes
(Leiga)