Opinião
Morreu um homem bom. E quando morre um homem bom, ficamos todos um pouco mais pobres. Pobres de exemplos, de referências, de caminhos e gestos a seguir. O Papa Francisco era, sem qualquer dúvida, um belo exemplo a seguir, daqueles que nos desafia diariamente à procura do melhor de nós, a sermos melhores pessoas. Francisco não era apenas um exemplo daquilo que de melhor podemos ser enquanto Igreja. Era também um testemunho vivo da vida e da missão de Jesus Cristo. E é por essa razão, essa tão simples razão, que a sua marca é indelével.
Indelével de tão urgente que nos foi, nos dias que correm. Francisco foi sendo luz transformadora numa Igreja que, feita de homens e mulheres, teima em ficar presa a um ser mágico na esperança de um milagre fortuito para toda e qualquer situação. O conforto que nos assola, que é sempre tão bem vindo, afasta-nos da urgência diária da missão evangelizadora. E como temos nós cedido cada vez mais ao conforto, incapazes de lidar com as naturais agruras e desilusões dos trabalhos e desafios diários, vastas vezes aparentemente infrutíferos.
Francisco não lidava bem com a falsidade e com as palavras vazias. Como o compreendo. Era preferível lidar com ateus do que com cristãos que semana após semana punham os pés na Igreja à espera de reconhecimento, esvaziando-se da Palavra meros momentos após do término das celebrações. Francisco sabia que a vida é uma celebração em si própria, uma celebração de Deus e do bem que nos é transmitido.
É impossível esquecer que, para Francisco, houve sempre espaço para todos. Todos, todos, todos. Jovens e velhos, sãos e enfermos, justos e pecadores. Todos, todos, todos. Para as minorias, para os deslocados, para os sem-abrigo, até para aqueles que se sentem atraídos por alguém do mesmo sexo. Todos, todos, todos. Era nas periferias, perto dos rejeitados, que Francisco fazia valer a Igreja em que acreditava. Recordemos que a primeira viagem do pontífice foi à ilha italiana de Lampedusa onde acostavam barcaças de imigrantes africanos, hoje tão mal vistos por tantos europeus que se dizem cristãos e tão facilmente associados à criminalidade nas generalizações bacocas. “Exorto todos os fiéis da Igreja católica, e todos os homens e mulheres de boa vontade, a não ceder face às narrativas que discriminam e fazem sofrer desnecessariamente os nossos irmãos migrantes e refugiados”, chegou a dizer.
Para Francisco não havia humanos de primeira e humanos de segunda. Não só compreendia que todos somos fruto do nosso contexto e da nossa condição como ainda acreditava que todo e qualquer um estava sempre a tempo da mudança. Tivéssemos nós a oportunidade certa, a crença empática e paciente. Temos a sorte de viver na Europa, dona de uma forte tradição humanista.
Outros, nem tanto. Temos a sorte de podermos ser faróis para o mundo inteiro, de podermos ajudar Oriente e Ocidente “a redescobrir a centralidade da pessoa humana”. Outros, nem tanto. Mas… todos, todos, todos.
Depois de Francisco, todos. Todos os que queiram dar protagonismo ao Espírito Santo. Todos os que queiram pôr Cristo no centro da sua vida e das suas ações. Todos os que sintam necessidade de perdoar setenta vezes sete vezes, sintam necessidade de acolher ovelhas que se perdem, sintam necessidade de pôr talentos a render ou sintam necessidade de vender tudo para dar o dinheiro aos pobres. Porque amai-vos uns aos outros como Eu vos amei e porque todos, todos todos. Francisco permanecerá.
Nuno Margarido
Mestre em Comunicação